No artigo Exit é a Única Estratégia para Reformar o Brasil eu elaborei a ideia aparentemente contraditória de que a Saída deve ser o principal mecanismo adotado como estratégia de recuperação do país. É a única possibilidade, embora remota, de caminharmos em direção a um futuro de mais progresso e dignidade, ao invés de continuarmos estagnados como terceiro mundo ou até mesmo de enfrentarmos algum tipo de colapso como Venezuela e Argentina.
O artigo é baseado no Livro Exit, Voice, and Loyalty, de Hirschman, que analisa o papel da Saída e da Voz como mecanismos de recuperação de organizações, sejam econômicas ou políticas. Por exemplo, qual o impacto empresarial quando um cliente cancela o serviço e migra para o concorrente (Exit). Ou quando um cliente faz um review negativo no site (Voice). Ou ainda quando um cidadão protesta ou se muda de cidade. E também, quanto a Voz ganha em relevância e efetividade em um ambiente onde a Saída é uma possibilidade real.
Se você não leu o artigo, recomendo fortemente. Mas aqui vai um breve resumo.
No cenário político nacional temos um histórico de uso quase que exclusivo da Voz. Manifestações, votos, campanhas, textões, etc., foram estratégias usadas massivamente, porém, infelizmente não tiveram a capacidade de sequer mover a agulha em direção ao real e sustentável progresso que desejamos. Mesmo com a democratização da distribuição de mídia em escala provida pelas redes sociais, que teoricamente deveria impor maior influência e rigor sobre as políticas públicas, não vimos qualquer sinal de evolução.
Por outro lado, com o advento da Internet, do Mobile e de Cripto, o Exit (trabalho remoto, viagens, acesso a capital externo, etc.) surgiu como a principal alternativa de reforma política. Afinal, quando uma população migra de país, levando consigo seu capital financeiro e intelectual, as instituições políticas são mais severamente impactadas, se comparado a ações isoladas de Voz. Elas perdem fonte de impostos, de talentos, além de resultar em uma maior incidência e intensidade da Voz por aqueles que ficam.
No entanto, meu artigo deixou de lado um dos principais fenômenos que tenho observado ultimamente nas iniciativas de Voz no país. Um fenômeno que agrava a ineficácia desse mecanismo de recuperação organizacional e aumenta ainda mais a relevância do Exit como principal estratégia.
Este fenômeno é o que chamo de A Grande Distração da Influência Digital.
Um processo que surgiu recentemente como subproduto da economia digital, e que ainda não recebeu a devida atenção por qualquer sociólogo ou cientista político. Se Hirschman estivesse vivo, certamente se debruçaria nestas novas dinâmicas que a Internet está inaugurando. Mas, como ele não está mais entre nós, você terá de se contentar com este que vos escreve :P.
Antes da Internet, quando uma nação enfrentava problemas, a voz era o principal mecanismo para tentar transformar aquela realidade. Os protagonistas das ações contra o sistema político vigente mediam a efetividade de seus esforços através da quantidade de reforma que conseguiam impor no sistema legal e nos serviços públicos.
Se a voz gerava a transformação demandada, sucesso. Senão, fracasso. E neste cenário de falha, a população via-se numa situação onde precisava avaliar e readequar sua capacidade de protestar a fim de alcançar os resultados desejados, mesmo que em um processo coletivo inconsciente.
O problema atual é que nossos mecanismos de Voz, concentrados quase que exclusivamente na forma de influencers políticos em redes sociais, tornaram-se altamente vantajosos para esses agentes, inclusive financeiramente, mesmo no cenário de degradação política.
Ou seja, não há um feedback loop efetivo de correção de curso estratégico adotado por aquele influencer em um cenário de persistente inefetividade política.
Por exemplo, temos algumas vozes realmente eloquentes, como a Renata Barreto, com +1.1M de seguidores, defendendo ideias pró liberdade, educando sobre as catástrofes históricas geradas por regimes socialistas e tentando evidenciar as contradições do governo atual e seus defensores.
O problema, do ponto de vista estrutural político, é que essa audiência é revertida em lucro para os negócios da Renata. Ela tem cursos em um aplicativo próprio (de nome de gosto duvidoso rs) e é sócia em uma empresa de investimentos, os quais provavelmente se beneficiaram estrondosamente do sucesso das suas redes sociais.
Deixando absolutamente claro que isso não é um problema moral. A Renata está mais do que certa em combinar sua insatisfação política com um modelo de negócios sustentável. Não há nada de errado em lucrar enquanto produz conteúdo online, mesmo com teor político.
O ponto é que esse cenário infelizmente não gera o resultado coletivo esperado, pois os incentivos não estão alinhados. Mesmo com um resultado negativo na última eleição e com a evidente degradação social do Brasil nas últimas décadas, influencers políticos não interpretam esses sinais como fracasso na sua estratégia interna e continuam operando da mesma maneira.
Afinal, sua base de seguidores continua crescendo e seu faturamento explodindo, o que obviamente é interpretado como sucesso e não resultará em qualquer mudança de rota.
E isso vale para todos os influencers políticos, inclusive da esquerda.
A partir do momento que as métricas principais não estão alinhadas com o resultado político e social desejado, as ações deixarão de ser otimizadas para atingir esse resultado. Se os números almejados são relacionadas ao crescimento e ao lucro (e mais uma vez, não há nada errado nisso), as ações do profissional serão direcionadas na otimização desses indicadores. Se o engajamento cresce, mais pessoas compram os produtos, mais convites ele recebe para publicidade, e mais status ele ganha, não importando se o resultado macro é o oposto do defendido.
A Internet e as Redes Sociais possibilitaram esse ambiente de sustentabilidade financeira para produtores de conteúdo. Possibilitou o surgimento de modelos de negócios digitais antes impossíveis. Deu voz para milhões de pessoas exporem as injustiças da sua realidade, suas frustrações e anseios. No entanto, paradoxalmente, como mecanismo isolado de recuperação de uma nação, não gerou a transformação esperada nas instituições.
Os extremos atraem audiências, as quais mantém-se em constante conflito gerando engajamento para ambos os lados, e assim viabiliza-se modelos de negócios que transformam essa atenção em lucro.
É um mecanismo de mútua distração diante dos problemas mais fundamentais que enfrentamos. Um ciclo vicioso que mantém os dois extremos entretidos e faturando, imersos na ilusão de impacto social, porém longe das raízes dos problemas, enquanto o sistema político continua crescendo seus tentáculos sobre a sociedade sem nenhum tipo de resistência.
E, pior, o sistema político já identificou essa dinâmica. Seu trabalho então é apenas acentuar a polarização e o conflito, pois assim a energia que poderia resultar em transformações reais, é dissipada em ataques ao lado aposto e nas estratégias individuais de crescimento do influencer (que não estão alinhadas com a transformação real política).
Este, obviamente, não é um argumento contra as redes sociais ou a Internet. É apenas uma reflexão sobre a armadilha da economia da influência política travestida de estratégia de transformação social.
A partir do momento que identificamos essa deficiência sistêmica, podemos pensar em novas estratégias de Voz com objetivos claros de transformar o sistema político e em comunidades capazes de se organizar em torno de objetivos e métricas claras, e trabalhar para alcançar essas metas.
O livro The Network State é um excelente ponto de partida para migrarmos do estado atual das redes sociais descoordenadas e criarmos comunidades altamente alinhadas com capacidade de ação coletiva.
Talvez a melhor analogia para essa transição seja a física. Quando partículas estão agitadas colidindo descoordenadamente, temos dissipação de Calor. Quando elas estão alinhadas e coordenadas, temos Trabalho.
E esta é a nossa missão para os próximos anos. Criarmos comunidades reais capazes de cooperação coletiva e de transformação política real.
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