Desde o surgimento da computação e da Internet, vimos diversos ciclos de inovação e transformação profunda sendo 'lentamente' absorvidos pela economia ao decorrer de várias décadas.
Foram inúmeras ondas desafiadores para as empresas: adoção dos computadores pessoais, depois migração online, na sequência ecommerce, depois lançar aplicativo e adotar uma estratégia mobile, aprender o jogo da comunicação em social media, e assim por diante. Para quem é mais jovem e olha em retrospecto parece tudo muito óbvio, mas milhões de empresas ficaram pelo caminho.
Este processo gradual diluido entre várias décadas muitas vezes nos faz perder a perspectiva da quantidade de novas tecnologias que surgiram, e do tamanho da transformação causada pela revolução digital.
Se compararmos como uma empresa operava no século 20 (por ex, Exxon Mobil), com qualquer big tech atual (como a Google), veremos o abismo de diferença entre ferramentas tecnológicas, processos, modelos de negócio, cultura, velocidade, qualidade de produtos, etc.
É um bicho completamente diferente em natureza, estrutura e conteúdo.
Mas essas empresas digitais não surgiram da noite para o dia. Foram décadas e mais décadas entre desenvolvimento tecnológico, e adaptação da sociedade e dos empreendedores. A cada ciclo, as organizações investiam tempo, dinheiro, treinamento, e tecnologia para assimilar aquela inovação e aplicar no seu negócio. Muitas ficaram pelo caminho. Seja porque desdenharam da onda da computação, ou não se adaptaram ao ecommerce, ou não criaram distribuição via social media, ou não lançaram apps, etc.
No entanto, quando olhamos para o nosso sistema de governança e nossas instituições estatais, não presenciamos este processo de adoção e adaptação graduais. São diversos ciclos de inovação represados por décadas para fora das instituições.
Ou seja, se pensarmos em cada ciclo como a metáfora da onda se chocando contra uma estrutura legada, podemos imaginar a somatória de todas as ondas de inovação digital (computação, internet, mobile, blockchain, IA) acumulando-se em uma única onda gigante prestes a se chocar contra as instituições.
Se para a grande maioria das empresas um ciclo de inovação já é um baita desafio para superar, imagine para uma entidade com décadas de estagnação que sequer molhou o pé na revolução digital.
O distanciamento das instituições com os ciclos de inovação comprometeu definitivamente sua reforma. Governos atuais não serão capazes de sequer compreender a dimensão dessas transformações, quiçá adotar os novos paradigmas. São dois sistemas completamente incompatíveis em diversas dimensões.
Mas esta pode ser uma boa notícia para os países emergentes.
Com o crescimento das charter cities e das startup societies, temos uma nova fronteira para experimentar e inovar do zero com sistemas de governança.
É uma baita oportunidade para países emergentes leapfrog os países desenvolvidos. É a oportunidade de ignorar o caminho intermediário que essas nações percorreram no século 20 para prosperar, e avançar direto para o futuro da governança digital baseada em Internet, Crypto, AI e inovações sociais.
Por isso pequenas jurísdições, leis de zonas econômicas especiais, sandbox regulatórios, e toda iniciativa que permita autonomia em governança para cidades ou distritos, serão fundamentais para enfim vermos inovações reais em governança.
Nós estamos tão acostumados ao ambiente precário da gestão pública que somente conseguimos vislumbrar melhoriais marginais e incrementais. Mas o que estamos prestes a presenciar nas próximas décadas, são cidades construídas sobre as plataformas mais avançadas do mundo, onde alocação de impostos, execução de leis, prestação de serviços públicos, e infraestrutura estarão pau a pau em qualidade com as aplicações que usamos diariamente como Google, Uber e Amazon.
Saímos das cartas diretos para as vídeos chamadas, nas tecnologias de governança.
Claro, isso só será possível em países suficientemente progressistas tecnológicos para adotar leis de zonas especiais e abraçar inovações emergentes. E já temos alguns países se destacando, como Taiwan.
Se o Brasil fará parte deste futuro, ainda não sei. Mas iremos trabalhar para que os próximos 50 anos sejam bem diferentes dos últimos 50.