O Incrível País Que Vive na Democracia do Futuro: Aberta, Digital e Descentralizada
Conheça Taiwan, onde democracia é sinônimo de tecnologias futuristas, plataformas de IA para deliberação coletiva, Blockchain, realidade virtual, streamings, hackativismo, APIs abertas e muito mais.
Uber deve ser permitido? Sim ou não?
Assim como no restante do mundo, quando o dilema Uber x Táxis chegou em Taiwan por volta de 2013, esta foi a pergunta mais discutida em cada esquina do país.
E, como bem lembramos por aqui, as conversas não eram nada amistosas ou construtivas. Em muitos lugares do mundo houve violência, protestos e muita frustração de todos os lados.
No entanto, uma revolução social e política estava em andamento há alguns anos em Taiwan, o que mudou completamente o destino do conflito.
Ao invés de abordar o problema como uma falsa dicotomia (libera ou não libera o Uber), naturalmente criando divergência e polarização, Taiwan resolveu mudar o foco das perguntas centrais:
Quais são nossos valores em comum apesar de nossas diferentes posições?
E uma vez que enxergamos tais valores, como podemos convergir para soluções que funcionem para todos?
Tendo como fundamento essa nova abordagem, um processo de deliberação de várias semanas, incluindo todos os stakeholders, se iniciou.
O processo envolveu motoristas de Uber e Táxi, passageiros, cidadãos comuns, a empresa Uber e representantes do governo, além de muita (mas MUITA) tecnologia: plataforma de argumentação baseada em machine learning, streaming de reuniões para VR, redes sociais, automação de emails, robôs autônomos, salas de chat e muito mais.
O que no início era uma guerra de dois lados completamente opostos, transformou-se em diversos pontos de vista complementares focados na segurança dos passageiros e em uma regulação justa para todos.
O que antes era uma batalha de nós contra eles, tornou-se um processo coletivo onde todos estavam alinhados para resolver o mesmo problema.
Um trabalho intenso de coleta de informações, de diálogo, reuniões e muita tecnologia que resultou em uma legislação possibilitando a operação da Uber no país de forma pacífica e justa.
Esta política de natureza aberta, digital, colaborativa e altamente inovadora não foi apenas responsável pela regulação de novos serviços como o Uber. Ela está por trás de uma das melhores respostas contra a Covid do mundo, tendo (até 01/05/2021) apenas 880 mortes e pouco mais de 15000 infectados, em uma população de +25 milhões de pessoas.
Desde o início de 2022 Taiwan, devido ao surgimento de vacinas, abandonou a política de covid zero e está focada em controlar casos mais graves, gerando um pico de casos. Mesmo assim, em 06/2022 o número de mortes atingiu apenas 2663 pessoas. Como comparação, o Estado de São Paulo, com população de ~45 milhões de habitantes (2x Taiwan), teve +5 milhões de casos e +169.000 mortes, 63x mais que Taiwan.
Se para você, em meio a lockdowns, discursos anti-vacinas, anti-máscaras, censura, crise econômica e sanitária, essa história parece obra de ficção científica, te convido a viajar comigo nos próximos minutos para Taiwan, uma ilha a 200km da costa sudeste chinesa, e conhecer a construção do futuro da democracia e o que há de mais incrível em inovação social e tecnologias políticas.
O texto é longo, mas se você ama tecnologia e inovação social, te garanto, esse artigo irá te surpreeender.
Sunflower Movement
Em 2004, durante 3 semanas, grupos de estudantes, hacktivistas e partes da sociedade civil tomaram o Parlamento Taiwanês em protesto contra um controverso projeto de acordo comercial com a China, e engajaram a sociedade civil Taiwanesa em deliberações e consultas públicas de larga escala.
Em meio a total falta de transparência na evolução do projeto de lei, os estudantes ocuparam o Parlamento e, munidos de muita tecnologia e disposição, “obrigaram” os parlamentares a darem transparência ao que estava sendo proposto no acordo, e tirarem dúvidas dos setores da sociedade possivelmente impactados pelo projeto.
Nas primeiras 24h foi criado uma estrutura de transmissão ao vivo da ocupação, projetada nas paredes dos prédios, enquanto grupos de ativistas fora da ocupação colaboravam fazendo a transcrição em tempo real do que acontecia no parlamento. Isso ajudou a evitar qualquer tipo de sensacionalismo ou demonização dos ocupantes por parte da mídia mainstream.
“A invasão ao parlamento não foi um ataque à Democracia. Pelo contrário. Foi uma demonstração de como milhões de pessoas (centenas dentro do Parlamento, milhões nas ruas e muito mais online) podem realizar democracia com consenso aproximado e programação, transparência radical, e deliberação em escala para políticas reais”. Audrey Tang
Após algumas semanas de muita resistência contra as inúmeras tentativas de evacuação do local pelo policiamento, enfim o projeto de pacto comercial foi adiado.
E essa não foi a única conquista.
A repercussão do movimento foi tamanha que mudou a percepção política da população. Muitos começaram a perceber que é possível organizar-se através de tecnologia para deliberar e participar ativamente em torno de questões políticas importantes, ao invés de esperar a mobilização do governo.
E isso não aconteceu por acaso.
Um dos principais pilares na organização, transmissão e debates realizados durante o movimento foi o grupo G0v (lê-se gov zero).
G0v - Fork do Governo
Em computação, realizar um fork de um software significa copiar o código fonte e iniciar uma linha de desenvolvimento paralela para posteriormente ou incorporar as alterações com a principal, agregando as alterações no software em produção, ou simplesmente publicar um novo software.
Foi com este conceito em mente que o grupo de hacktivistas G0v foi fundado: fazer um fork do governo.
Na prática, para cada site do governo hospedado em um endereço oficial .gov poderia ser criado uma alternativa no domínio .g0v, caso alguém não estivesse satisfeito com o serviço oficial oferecido.
Por exemplo, o site de transparência de orçamento (budget.gov.tw) do governo era feito de forma complicada, cheia de pdfs, planilhas e de difícil compilação dos dados. Então, a comunidade criou uma versão mais visual, com dashboards e publicou no domínio g0v (budget.g0v.tw), que posteriormente foi adotada como oficial.
Mas isso não foi possível sem muita inovação e esforço. Um dos projetos fundamentais nessa jornada foi o chamado Captcha Crowdsourcing.
A comunidade G0v criou uma espécie de "Captcha" via crowdsourcing para digitalizar registros financeiros públicos referentes à eleição em Taiwan.
Isso foi necessário porque a auditoria era feita apenas por uma empresa privada. Se alguma iniciativa civil desejasse realizar uma auditoria nos registros financeiros do processo eleitoral, seria necessário pegar presencialmente cópias em papel dos registros e somar na mão.
Então o projeto incentivou pessoas a escanear esses documentos e postar na Web.
Mas, ainda faltava a última etapa. Transformar o conteúdo escaneado de imagem para texto, digitando um a um, para que pudessem ser facilmente checados. Uma tarefa extremamente difícil a que pouquíssimas pessoas se voluntariaram.
Por isso, uma solução encontrada foi criar um sistema onde cada registro era mostrado no formato de Captcha para ser digitado em números pelos participantes interessados, num modelo gamificado, transformando os números da imagem em registros numéricos.
“Quando você pede para as pessoas doarem mais de 1 minuto de seu tempo, elas provavelmente optarão por vídeos de gatos. Por isso nós dividimos toda a tarefa de auditoria em micro tarefas. Assim, as pessoas podem colaborar mesmo gastando apenas 5 segundos do seu tempo e ter a sensação de ajudar o país.” Audrey Tang.
Como resultado, +300.000 registros financeiros foram digitalizados por 9.700 voluntários. Assim, com dados brutos públicos digitalizados, foi possível fazer diversas análises, criar gráficos, correlações de salário com gastos e muito mais.
Com essa mentalidade digital, ágil e transgressora, diversos projetos e serviços públicos digitais foram criados e muitos incorporados pelo governo, substituindo a versão até então oficial.
E para isso acontecer, uma peça foi fundamental. E ela se chama Audrey Tang.
Digital Minister of Taiwan - Audrey Tang
Audrey é a ministra digital de Taiwan e é a primeira ministra transgênero do mundo.
Desde muito cedo Audrey (antes Autrijus) já demonstrava sua proeminente genialidade. Aos 8 anos, Audrey desenvolveu um jogo de computador para o irmão aprender matemática. Aos 14, abandonou a escola, com permissão dos professores, para estudar por conta própria na recém criada World Wide Web. Aos 16, fundou uma startup. Aos 19, já trabalhava no Vale do Silício, na Califórnia.
Ela foi um dos pilares do sucesso do Sunflower Movement, participando ativamente da ocupação, bem como é uma das principais lideranças nas inovações sociais responsáveis pelo brilhante combate ao covid-19.
Sua decisão de sair do colégio e estudar por conta própria na Web veio quando percebeu que na rede mundial de computadores havia publicações de conteúdos sempre atualizados direto de cientistas e pesquisadores que trabalhavam colaborativamente e sem intermediários.
Ao contrário, no colégio, para ter acesso ao conhecimento mais atual, teria de esperar 10 anos para o mesmo ser incorporado nos materiais didáticos.
Na Web as pessoas podem interagir umas com as outras, trocar experiências, conteúdos e conhecimento, em um formato descentralizado, diferente do formato top-down e lento das instituições de ensino convencionais.
Ou seja, ela entendeu, quase 20 anos atrás, o que muita gente ainda não entende até hoje.
Durante esse período, se envolveu diretamente com a governança digital descentralizada da Web (internet society), um sistema político aberto e multi-stakeholder que mantém os protocolos e padrões abertos da Internet até hoje.
Esta governança funciona através de alguns pilares: transparência radical, associação voluntária e compromisso com independência de localização, ou seja, considera-se a Internet soberana e não se reporta a nenhuma jurisdição ou autoridade específica.
Outra característica da governança dos padrões de Internet é o rouch consensus (consenso aproximado).
Para se tomar decisões quanto a mudanças ou novos recursos nos protocolos de Internet, os grupos de voluntários e organizações usam um processo de consenso no qual não é necessário que todos concordem com o proposto. Mas, é necessário um desenvolvimento nos desacordos para que o grupo chegue em um objetivo comum.
É diferente de uma simples votação onde a maioria vence. Se 90% concorda com uma situação, mas 10% discordam, as considerações dessas minorias são ouvidas e trabalhadas para que se chegue a um consenso aproximado para o projeto evoluir.
Com essa experiência e após ser uma das líderes na ocupação Sunflower Movement, Tang foi convidada a ser a ministra de digital de Taiwan, onde iniciou uma série de inovações sociais, culminando em uma invejável resposta à pandemia da covid19.
Fast, Fair and Fun
Nos últimos dias de dezembro de 2019, Dr. Li Wenliang, após tentar alertar o mundo sobre casos de um novo tipo de “Sars” em Wuhan, foi brutalmente censurado e silenciado pelo governo comunista chinês.
Mas não em Taiwan.
No dia 29 de dezembro, um post na rede social PTT (similar ao Reddit) com a informação sobre o novo Sars estava tendo bastante alcance e foi rapidamente selecionado para análise de fact-checking coletivo. Ao concluírem que o fato era verídico, no dia seguinte o governo de Taiwan já iniciou os protocolos de inspeção nos voos chegando de Wuhan (cidade de origem do vírus).
O tempo de reação foi de 24 HORAS.
E o que está por trás dessa resposta tão ágil e assertiva a um problema iminente que surgiu como potencial teoria da conspiração nas redes sociais, são estes 3 fundamentos:
Agilidade (Fast), Equidade (Fair), e Humor (Fun).
Um dos exemplos mais interessantes para identificar esses fundamentos foi a estratégia de adoção de máscaras no país.
No início da pandemia, epidemiologistas descobriram que o R-Value do covid19 poderia ser mantido abaixo de 1 (ou seja, a contaminação poderia ser controlada) se 3/4 das pessoas em qualquer distrito ou bairro usassem máscara e lavassem suas mãos.
Então, uma das principais estratégias do governo federal foi ajudar a iniciativa privada a disponibilizar máscaras cirúrgicas para todos os 23 milhões de habitantes. Uma operação extremamente complexa e cheia de desafios.
Um dos primeiros problemas foi a escassez de máscaras devido à alta procura. Muitas pessoas ficavam em filas, ou não encontravam farmácias com estoque e isso começou a gerar pânico.
Foi então que um cidadão criou um aplicativo de mapa com a disponibilidade de máscaras na cidade, baseado no input dos usuários. Bastava baixar o aplicativo e marcar se determinado estabelecimento tinha estoque de máscaras disponíveis ou não.
O aplicativo teve tanto sucesso, que o grupo G0v junto ao governo incorporaram o sistema como oficial, expandindo rapidamente suas funcionalidades.
Para tornar o sistema mais assertivo, hackers cívicos colaboraram em um projeto de API aberta chamado "the real name mask rationing system" que mostrava em tempo real a disponibilidade de máscaras em cada farmácia, atualizado a cada 30 segundos, para que as pessoas não precisassem ficar em filas em vão. (Fast)
A natureza aberta do projeto resultou na explosão de mais de 100 aplicações disponíveis, como mapas, apps, chatbots, assistente por voz, e dashboards. Isso permitiu, também, que as pessoas analisassem independentemente o algoritmo e os dados gerados, trazendo novos insights e ideias.
Por exemplo, a ex VP de dados da Foxcomm identificou que a distribuição de mapas continha um viés de dados. Grandes centros tinham mais máscaras que lugares remotos, então, mesmo que a quantidade de máscaras estivesse correta, a distribuição e acesso não eram justos. Essa descoberta possibilitou assim o ajuste de quantidades. (Fair)
Também, através dos dashboards, percebeu-se que muitos trabalhadores não poderiam pegar as máscaras no horário comercial e estavam sendo excluídos do acesso.
A solução, desta vez, foi a parceria com lojas de conveniência 24h para distribuir máscaras previamente agendadas pelo aplicativo. E isso apenas 1 mês após a identificação do problema. (Fast and Fair)
Após todas essas iniciativas e inovações, 10% da população ainda não tinha acesso a máscaras, seja porque eram idosos, porque não tinham smartphone, ou por outro motivo.
Então criou-se quiosques onde os moradores podiam usar o cartão de seguridade social para realizar pré-encomendas sem precisar de smartphones, e retirar as máscaras uma semana depois. Desta forma, conseguiram distribuir máscaras para mais de 95% da população. (Fast and Fair)
No entanto, os desafios da pandemia foram muito além de máscaras, questões logísticas e coordenativas.
Nos períodos mais caóticos e assustadores de 2020, no pico da pandemia, as fake-news virais em redes sociais também foram motivo para preocupação e consequentemente exigiram muita inovação.
“Como somos uma democracia liberal, não realizamos lockdowns de pessoas nem takedowns de conteúdos, mesmo as teorias da consipiração”. Audrey Tang.
Humor over Rumor (O pilar “Fun”)
Para resolver problemas estruturais como desinformação em massa sem usar censura, as pessoas precisam de serviços de contextualização descentralizados.
Em Taiwan uma infraestrutura digital pública provê uma inteligência coletiva que é pró-social ao invés de anti-social.
Para cada campanha de desinformação com o objetivo de despertar ódio ou manipulação, o governo sempre responde com um meme engraçado e inteligente dentro de uma janela de 2 horas da postagem da fake-news.
Qualquer pessoa pode encaminhar um link suspeito (scam, deepfake, desinformação) para este serviço onde pessoas, como a Wikipedia, podem colaborativamente adicionar uma flag e contextualizá-la.
Por exemplo, uma das fake news estava gerando uma compra desenfreada de lenços de papel pela população porque continha a informação de que as máscaras descartáveis usavam o mesmo material dos lenços na sua composição, o que geraria a escassez do produto.
Em uma resposta ágil foi criado um meme hilário (com o primeiro-ministro balançando a bunda numa animação) e uma frase com um trocadilho de “bunda” com “estoque” que são homônimos em mandarim, e adicionando a correção da fake news. Ou seja, mostrando as evidências de que os materiais para produção de máscaras tinham origem local, enquanto os insumos para lenços de papel são originados na América do Sul.
O meme foi absolutamente viral e em menos de 48h a procura por lenços de papel voltou ao normal.
E este é apenas um dos exemplos dos inúmeros memes usados para informar a população sobre assuntos importantes ou para combater o efeito viral da desinformação.
“Quando as pessoas estão ansiosas e estressadas, e elas veem qualquer mensagem que provoque indignação, elas irão clicar em compartilhar. Mas se as pessoas acham algo engraçado, torna-se impossível sentir raiva sobre aquele mesmo assunto. Então, se conseguimos criar um meme bem humorado que corrige a fake news e é mais viral que a desinformação, na realidade a gente consegue vacinar as pessoas contra aquela teoria da conspiração.” Audrey Tang
Outra fake news, oriunda desta vez da China, foi a seguinte: A CIA criou duas tintas invisíveis especiais para cédulas de votação - não importa em quem você vote, Tsai - a atual presidente - sempre vence.
A solução desta vez não foi memes, mas sim convidar diversos youtubers, de diferentes ideologias políticas, para transmitir ao vivo, com seus próprios aplicativos, a contagem dos votos nas urnas.
vTaiwan - Democracia Aberta, Descentralizada e Digital
O governo não é responsável único na geração de ideias, pelo contrário, a inteligência coletiva através de plataformas abertas, sugerem inovações sociais para problemas complexos, e o governo ajuda a disseminar aquelas com maior consenso.
Taiwan enxerga o poder público como um catalisador para a inteligência coletiva da sociedade.
Ao invés de impor legislações em uma postura top-down, ou estimular o conflito entre lados opostos da sociedade, o governo trabalha para encontrar os consensos e trabalhar em cima deles.
Boa parte dos projetos de leis ou questões sociais importantes, são debatidos através de um processo chamado vTaiwan.
Lançado em 2014, vTaiwan é um processo de consulta aberta que traz cidadãos e governo juntos em espaços online e offline, para deliberar e chegarem a consensos aproximados em questões nacionais, e criar esboços de leis.
vTaiwan visa ir além da polarização política e das bolhas geradas pelas mídias sociais, e alcançar consenso aproximado entre os stakeholders. Também visa capacitar o público na definição dos tópicos de discussão, da agenda de como um tópico está sendo discutido e sobre as ferramentas usadas para facilitar a conversa.
Todos os stakeholders trazem referências sobre o tema em um ambiente aberto e transparente para serem debatidos com cada ator.
O processo é dividido em 4 etapas: Proposta, Opinião, Reflexão e Legislação.
A Proposta se dá semanalmente onde vTaiwan roda pequenos hackathons para coletar questões que são submetidas a uma autoridade que pode aceitá-la (e ser responsável por ela).
Na fase Opinião são realizadas pesquisas, primeiro com stakeholders da comunidade, depois com o público, através de aplicações como Typeform, Sli.do, Pol.is e Discourse. Pode durar vários rounds de coleta, cada um durando cerca de 1 mês.
Esta fase é o momento onde se obtém o sentimento do público quanto àquela questão. Por exemplo, no caso da regulação do UberX, foi usado a plataforma Pol.is de deliberação coletiva baseado em IA para coletar as ideias da população e envolvidos, como motoristas e clientes do aplicativo.
Na plataforma só é possível adicionar ideias e argumentos, mas não é possível comentar nas sugestões de outras pessoas, apenas concordar e discordar. Isso dificulta o surgimento de trolls.
O Pol.is funciona com machine learning, e através da votação dos usuários sobre cada argumento, ele te posiciona em um mapa que agrupa todos os participantes em nuvens de similaridade de opinião.
Com o passar do tempo, alguns clusters de similaridade de sentimentos e ideias surgem, agrupando as pessoas em pontos similares, mesmo quando inicialmente os participantes aparentemente estavam em lados extremos opostos.
O foco é mostrar que as pessoas possuem mais pontos em comum do que opostos.
“A maioria das pessoas concorda com a maioria de seus vizinhos a maior parte do tempo sobre a maior parte dos assuntos”.
Quando se atinge +80% de consenso em sugestões e ideias, elas são selecionadas para discussão pública e deliberação com todos os stakeholders, para analisar as informações levantadas pela crowd.
Nesta fase de opinião e deliberação ainda não há um consenso sobre o resultado final, mas pelo menos já se criou um diálogo aberto e público entre todas as partes ao invés de apenas polarizações e ataques.
Na fase de Reflexão ocorrem consultas pessoais online e offline com os stakeholders, e todas as reuniões são transmitidas ao vivo no youtube e no Lifehouse, ambos com ferramentas de chats para participantes remotos, inclusive para serem assistido com óculos de realidade virtual.
As gravações dos vídeos são liberadas nas redes sociais para que recebam mais perguntas e comentários nas semanas seguintes.
Só após esse processo aberto de coleta de fatos, de ideias e argumentos, com participação ativa de interessados na sociedade, é que a questão evolui para a criação da Legislação, levando-se em consideração as premissas das fases anteriores.
Cultura de inovação e transparência
Taiwan considera conexão de internet banda-larga um dos direitos humanos básicos da sua população. Mesmo nas regiões mais remotas do país, como áreas montanhosas, é possível contratar um plano de Internet de 10mbs por 16 euros/mês.
Essa filosofia aberta, digital e descentralizada não faz parte apenas do processo de legislação.
Está presente em cada parte da gestão pública.
Por exemplo, anualmente é feito o Hackathon Presidencial, onde qualquer pessoa pode apresentar e desenvolver suas ideias direcionadas a resolver um dos problemas macro do país.
Também há um grande estímulo à inovação, privacidade, liberdade econômica e abertura de dados.
O projeto Civil Iot Program é uma infraestrutura robusta e veloz onde todos os dados coletados pelos inovadores sociais, como qualidade do ar, recursos da água, terremotos, etc, são armazenados de forma aberta.
Por exemplo, há um projeto de captação e análise em mapas da qualidade do ar.
Os dados são capturados por equipamentos (sensores Airbox) configurados por voluntários, na grande maioria estudantes de escolas primárias, e armazenados em um registro público descentralizado (blockchain) para que não possam ser alterados. (Foi exatamente essa estrutura open-source que serviu de base para a criação da solução de disponibilidade de mapas durante a pandemia).
Além do próprio benefício do projeto na saúde pública, ele ainda colabora com o desenvolvimento de jovens quanto à competência digital e tecnológica (e não apenas alfabetização). Os cidadãos não apenas consultam os dados abertos do governo para inovar ou debater, eles criam seus próprios dados, como no caso dos sensores Airbox, que são open-source e facilmente criados com tecnologias acessíveis como Arduino e Raspberry Pi.
O governo Taiwanês também desenvolveu um projeto de Sandbox para inovação de negócios não-regulados.
Cada empresa inovadora pode reivindicar 1 ano para testar sua ideia e desafiar leis e regulações legadas, por exemplo, economia de plataforma, fintech, veículos autônomos, 5g telecomunicação, etc.
Com veículos autônomos, Taiwan é a primeira jurisdição do mundo a legalmente encorajar experimentos híbridos de modalidades de terra, mar e ar.
Existe uma cidade chamada Taiwan Car Lab onde as pessoas podem experimentar as inovações.
O que podemos aprender com Taiwan?
O objetivo de mergulhar nessas inovações sociais, que por sinal é apenas uma pequena parcela de tudo que acontece em Taiwan, é perceber o quanto uma população e um governo competentes em tecnologia podem alcançar.
Nós não resolvemos o problema da pobreza para então incluir a população no mundo digital. Nós levamos a tecnologia digital às pessoas para que elas possam ter armas para sair da pobreza e do autoritarismo.
Não é à toa que Taiwan considera conexão banda larga um direito humano básico.
Internet é a fundação para uma sociedade mais livre e mais próspera.
Sem a infraestrutura necessária, sem educação e principalmente sem uma cultura pró-inovação tecnológica, estaremos desperdiçando a principal ferramenta para criarmos uma democracia mais forte e rica.
Frequentemente caímos nas velhas dicotomias de economia x saúde; rede de proteção social x liberdade econômica; público x privado; liberdade de expressão x fake news; e assim por diante.
Isso só acontece porque vivemos numa sociedade pouco inovadora. Nossas instituições, de agentes públicos à imprensa, não tem competências tecnológicas e nem em inovação social. Assim, acabamos sempre caindo nas soluções preguiçosas, como leis de lockdown ou tributações.
Pode reparar, a maioria das propostas para se resolver problemas sociais sempre envolve ou criar uma lei, ou aumentar tributos.
No entanto, como vimos em Taiwan, existe um universo de soluções que não necessita de abordagens autoritárias. Que não exige que liberdades individuais sejam violadas.
Para cada problema, com conhecimento básico em tecnologia e uma plataforma governamental aberta, podemos chegar em soluções muito mais efetivas, justas e de menor custo que as que estamos habituados.
Tecnologia digital não é mais um assunto secundário na nossa economia e política. É um tema central e extremamente importante.
A Internet inaugurou um novo mundo onde não faz mais sentido operarmos como no século 20, com confiança em representantes, dados fechados e participação a cada 4 anos.
Com a Internet podemos evoluir para uma democracia muito mais participativa, com conversas escaláveis e acesso à inteligência coletiva da população.
O século 20, de ditaduras socialistas, militares e fascistas, de líderes demagogos e populistas, acabou.
O século 21 será um mundo de democracia aberta, digital, descentralizada e de muita inovação social.
Mas apenas para aquelas nações que começarem agora.
Vamos começar?
Jean, parabéns pelo artigo, obrigado por compartilhar.
Sensacional, parabéns pelo trabalho Jean. Tenho acompanhado suas news e não posso deixar de elogiar, você se tornou uma referência para mim. Você sabe se existem outros lugares no mundo que também colocam em prática este tipo de cultura digitalizada? Ficaria feliz em ler mais sobre outros bons exemplos como esse. Um abraço