Por Que Militantes Políticos Estão Errados
E por que as soluções Políticas são muito inferiores às soluções Tecnológicas
Enquanto mexia no iPad, o filho de 6 anos de um amigo perguntou com uma expressão curiosa:
“O que veio antes, o vaso sanitário ou o iPad?”
Tecnologia é tudo aquilo que é inventado após nosso nascimento.
Embora óculos, vaso sanitário e máquina de lavar roupa sejam tecnologias - e das mais revolucionárias - o fato de elas já estarem integradas na sociedade durante nosso crescimento faz com que as olhemos como quase parte da natureza.
Para quem nasceu nos anos 2000, Internet é tão natural e inquestionável quanto eletricidade é para todos nós.
Ninguém olha para um interruptor ou uma lâmpada e pensa “que alta tecnologia”.
E é justamente por essa desconexão com a complexidade tecnológica e principalmente pela desconexão com os problemas antigos resolvidos por ela, que muitos movimentos anti-tecnologia surgem.
É muito difícil, por exemplo, ter consciência do quão transformador e libertador foi o surgimento da máquina de lavar roupa principalmente para as mulheres.
Hoje nós apertamos um botão e horas depois tiramos a roupa para pendurar no varal. Antigamente, período onde todo o serviço doméstico era realizado pela mulher; lavar, enxaguar, torcer e pendurar as roupas de toda a família (enquanto cuidava dos filhos) era uma tarefa árdua e extremamente demorada.
Uma “simples” inovação tecnológica que representou um marco no longo caminho da autonomia da mulher. Sem isso - e diversas outras inovações - nenhuma política pública chegaria sequer perto de resolver o problema.
Então, por que hoje vivemos numa cultura que idolatra políticas públicas e praticamente demoniza inovação tecnológica?
Por que em todo e qualquer debate mainstream sobre problemas sociais não vemos discussões sobre criação de novas tecnologias?
Por que a abordagem de problemas complexos sempre enfatiza a solução política ao invés da inovação?
Tecnosolucionismo x Tecnocríticas
Recentemente, me deparei com este post no Instagram da página Tecnocríticas e achei um ótimo exemplo para refletir sobre o dilema demonização da tecnologia x idolatria da política diante de problemas sociais.
O objetivo aqui não é criticar a página, nem as pessoas (as quais não conheço), mas utilizar este conteúdo específico para elaborar minha visão sobre o tema e minhas divergências.
A tese do conteúdo é que a tecnologia não vai resolver todos os nossos problemas, o que faz bastante sentido.
Nós temos problemas que precisam de soluções com ênfase na política (minha definição é no sentido original da palavra: consensos, mobilizações e evolução cultural, e não Estado necessariamente) e outras que necessitam ênfase no desenvolvimento tecnológico.
No entanto, discordo diametralmente da forma como a argumentação foi desenvolvida.
Vamos analisar.
Nos primeiros posts a página fez uma introdução sobre o tema, citando Peter Diamandis e Ray Kurzweil, e adiciona suas premissas e definições sobre o termo “tecnosolucionismo”:
“Os solucionistas sustentam que, como não há alternativas, o melhor que podemos fazer é colocar curativos digitais sobre os danos. Eles implantam tecnologia para evitar a política, defendem medidas ‘pós-ideológicas’ que mantém girando as engrenagens do capitalismo global”.
A definição já vem carregada de várias premissas e rótulos, e conceitos simplistas pouco elaborados, mas vamos avançar no exemplo concreto que eles trazem, que acho bem interessante e didático.
A página levanta o seguinte problema:
Como transportar pessoas dentro de uma cidade de maneira eficiente, sustentável e acessível?
Transporte público e gratuito.
Subsidiar a compra de carros.
Meios de transporte que você paga por quilometragem
Aplicativos que conectam pessoas e carros.
A solução a) garantiria que todas as pessoas pudessem se movimentar pela cidade com menor impacto na natureza. A opção b) e c) podem ser inviáveis para a maior parte das pessoas. A última opção é mais acessível que b) e c), mas cria novos problemas.
Segundo a página, transporte público e gratuito garante que todas as pessoas pudessem se movimentar pela cidade com menor impacto na natureza.
Essa afirmação esconde inúmeros problemas e nuances que, dentro de um debate de transporte, devem ser claramente destacados.
Primeiro, que o transporte público não é (e nunca seria) gratuito. Hoje nós pagamos por ele na forma de impostos transferidos para a empresa em forma de subsídio (num processo sem nenhuma transparência) e através do valor do ticket. Numa política que subsidiasse todo o custo do transporte público para a população, tornando-o “gratuito”, ainda assim pagaríamos por ele em forma de mais impostos.
Segundo, que a página afirma que o transporte público garante que todas as pessoas possam se movimentar pela cidade, o que é auto-evidentemente falso. Não existe no planeta um sistema público que consiga atender 100% da demanda por transporte. Seja por limite de lotação, seja por limite de cobertura na cidade.
O argumento sensato (e imagino que seja a linha de raciocínio por trás) é priorizar os sistemas coletivos de transporte ao invés de carros, o que teoricamente teria um impacto menos negativo na natureza.
O problema é que o sistema de transporte na larga maioria das cidades é ineficiente. Qualquer pessoa que realmente utilize o serviço irá concordar com esse fato.
Ônibus excessivamente lotados, constantes quebras, insegurança, recorrentes paralisações e greves.
Outro elefante branco na sala não discutido é o monopólio, que praticamente é a causa dos problemas listados anteriormente.
Hoje o transporte coletivo público em todo o Brasil é monopolizado pelo Estado.
Se você tentar oferecer um serviço concorrente, você estará cometendo um crime, mesmo que o serviço seja mais rápido e eficiente, e mesmo que as pessoas estejam optando voluntariamente por ele.
O transporte público que “impactaria menos a natureza” é uma máquina de injustiça, seja impedindo empreendedores de competir, seja obrigando os passageiros a usarem diariamente ônibus precários e superlotados.
E o argumento natural para tudo isso seria: Basta nos mobilizarmos politicamente e exigir melhores condições e preços no transporte.
Bom, estamos nessa tentativa há várias décadas sem sucesso. Pessoas já levaram tiros de borracha, já foram presas, agredidas, e nada mudou.
Vamos continuar tentando por mais 50 anos?
Na sequência, a página destaca como o Uber não resolve o problema original de mobilidade, e ainda cria novos problemas, como a precarização do trabalho.
Para falar sobre a solução de criar um aplicativo de corridas que conectem pessoas a carros/motoristas, vamos usar o exemplo da Uber.
O problema de “Como transportar pessoas dentro de uma cidade de maneira eficiente, sustentável e acessível?” parece ser resolvido pelo aplicativo?
Nos parece que não.
E mais uma vez, a tecnologia é usada como forma de remendo e não de solução. Ao invés de usar tecnologia para criar sistemas acessíveis a todas e que leve em conta questões ambientais, criaram um aplicativo e o embalaram com promessas de soluções sociais.
Além de não resolver o problema inicial, cria outros problemas, como por exemplo a precarização do trabalho - já que apesar do lucro do Uber ser criado pelos trabalhadores do aplicativo, eles são privados de qualquer direito trabalhista.
Considerar que um motorista que trabalha dirigindo um carro tem condições piores que um motorista de ônibus ou cobrador, não me parece fazer sentido.
As greves recorrentes evidenciam as condições precárias nas quais os profissionais trabalham: salários atrasados e defasados, péssimas condições de trabalho em frio congelante, assaltos e exposição à violência constantes, e diversas outras reivindicações.
Se o problema do Uber é a falta de direitos trabalhistas, por que eles não representam condições melhores na prática para os profissionais do transporte público?
Ou ainda, se a alta regulação trabalhista fosse garantia de bons salários e condições minimamente dignificantes para o profissional, veríamos Coletores de Lixo pendurados atrás de um caminhão, sem equipamentos, suscetíveis a quedas, a mordidas de cachorro, a chuva, e a cortes com lixos perfurantes?
Meu objetivo com esse texto não é levantar a bandeira pró-Uber, ou argumentar que a estrutura de trabalho com as plataformas de tecnologia são totalmente justas.
Mas, evidenciar que a bandeira anti-tecnologia, anti-plataformas, anti-autônomos, e pró-política e pró-direitos trabalhistas, está longe de ser a solução que precisamos.
Aliás, em um ano de praticamente congelamento da economia, foram as plataformas digitais de transporte e de delivery que permitiram que boa parte das pessoas conseguisse gerar renda, e você, receber sua comida em casa.
Muitas plataformas de freelance remoto, que também são alvo da militância “anti precarização do trabalho”, foram as que salvaram a pele de inúmeros desempregados que precisaram encontrar jobs para trabalhar remoto e sobreviver enquanto buscavam recolocação.
Aliás, se esta pandemia fosse pré-internet, onde não existia economia digital (nem homeoffice), as consequências teriam sido infinitamente piores.
Soluções Tecnológicas ou Soluções Políticas
Nosso hábito cultural, principalmente pela falta de educação em inovação e tecnologia, é abordar todos os problemas na via política.
E embora provavelmente os problemas sempre exigirão esforços nas duas frentes, geralmente uma delas será a que mais traz resultado.
No passado, o problema do crescimento populacional e da consequente escassez de comida era tratado como um problema político.
Então diversas soluções na forma de leis surgiram, incluindo a aberração da Política do Filho Único.
Poucas pessoas poderiam vislumbrar soluções tecnológicas para esse problema.
No entanto, Norman Borlaug e outros pesquisadores foram os responsáveis pela tecnologia para aumentar a produção de trigo, resultando na Revolução Verde e na consequente queda da teoria Malthusiana.
Já o controle da explosão populacional ganhou um grande aliado da tecnologia: os métodos contraceptivos, desde pílula anticoncepcional até DIO e camisinha, dando uma grande autonomia para as pessoas, principalmente as mulheres.
Voltando para o presente e dando uma rápida olhada para os lados, fica fácil perceber o impacto das tecnologias nas questões sociais:
Vão desde ferramentas de sobrevivência para dezenas de milhares de migrantes fugindo da Síria e região; redes de segurança através de aplicativos nas periferias; proteção contra abuso dos direitos humanos (discriminação racial ou de gênero, violência policial, censura, genocídio) através de filmagens e denúncia em redes sociais; até ferramentas de proteção contra governos autoritários; desbloqueio de inovação local focando em nichos; e viabilização de financiamento coletivo tanto de projetos grandes, movimentando bilhões como na mobilização para a Covid em 2020, quanto emergenciais de indivíduos.
Até mesmo questões fundamentalmente políticas, como racismo, machismo, identidade de gênero, abuso policial, etc., só vieram a ter grande relevância na sociedade após o surgimento da Internet e dos smartphones, pois permitiram que pessoas antes completamente marginalizadas da sociedade tivessem voz e acesso a largas audiências, transformando radicalmente a cultura nacional em poucas décadas (movimento que costumava evoluir lentamente durante séculos pré-internet).
Em outros setores, como sustentabilidade e preservação do meio ambiente, embora as iniciativas políticas sejam importantes para conscientização, as soluções definitivas virão com a ajuda de tecnologias como Drones de Reflorestamento e de Vigilância Anti-Desmatamento, remoção de CO2 da atmosfera, energias renováveis (seja solar, eólica ou fusão nuclear), etc.
As soluções políticas apresentadas, como controle de emissão de CO2 e de desmatamento com multas, claramente não vão alcançar uma solução definitiva, afinal, corporações e governos vivem em simbiose corrupção.
Qual foi o resultado de políticas públicas no desmatamento da Amazônia nos últimos 30 anos?
Nosso sistema político é muito limitado quanto a soluções de problemas complexos.
Seu modelo mental baseia-se em sua grande maioria em proibir ou obrigar, e não inovar.
Nós precisamos definitivamente de um terreno fértil para inovações e uma cultura pró-tecnologia, ao invés da sua demonização.
Focar apenas ou primordialmente em políticas públicas, ainda mais num sistema obsoleto e corrupto como o Brasileiro, nos manterá patinando na mesma lama de sempre.
No século 21, se você me perguntar se eu fico com os burocratas do governo ou com os inovadores da tecnologia, pode ter certeza que escolherei os últimos.