Mas afinal, POR QUE a sociedade está ficando mais descentralizada?
Entendendo as duas principais razões
Tecnologias sociais, como dinheiro, religião e democracia representativa, cumprem uma função agregadora e coordenativa na sociedade.
Elas têm o papel, além de outras funções, de criar regras claras e compartilhadas entre todos, permitindo que possamos colaborar em escala, ou seja, contribuir para um objetivo comum mesmo sem as partes se conhecerem de fato.
E embora essas tecnologias de coordenação em escala tenham papel fundamental na evolução da civilização humana, claramente elas têm diversas falhas: falta de transparência, corrupção de líderes, etc.
No entanto, no final do século 20, o surgimento da Internet abriu novas possibilidades de cooperação humana global. E pela primeira vez sem a necessidade de estruturas verticais e excessivamente hierarquizadas.
Para ser justo, o Dinheiro e o Mercado surgiram como tecnologias completamente descentralizadas, sem uma entidade central comandando. As pessoas trocavam livremente ouro, prata e outras commodities por mercadorias, até o Estado se apropriar da custódia dos metais e da emissão de certificados, que vieram a se tornar o dinheiro centralizado que conhecemos hoje.
Mas, por que a Internet está transformando a estrutura hierárquica da sociedade? Quais as características da economia digital que estão desencadeando a descentralização de poder no mundo?
1. Conectividade
A primeira, e mais óbvia, é a altíssima capacidade de comunicação que a Internet proporciona aos indivíduos.
Mensagens em tempo real, sem limitações geográficas e a custo zero, representam uma transformação drástica na dinâmica social. É uma mudança de paradigma tão profunda, que ainda estamos lentamente entendendo suas consequências e possibilidades.
Provavelmente hoje a maioria das pessoas online se comunica direta ou indiretamente com mais pessoas em 1 semana, que nossos antepassados interagiam em 1 ano, ou quiçá a vida toda.
Isso significa que todas as Instituições cuja existência está fundamentada sobre a premissa de um processo de comunicação lento, caro e geograficamente restrito, estão fadadas ao desaparecimento.
Universidades como espaços privilegiados de acesso restrito a professores e conhecimento.
Imprensa detentora da verdade e dos meios de comunicação e infraestrutura para distribuir informação.
Governos como tomadores de decisão coletiva para alocar recursos para o bem comum, através de legisladores intermediários que representam parte da população.
Todas essas Instituições não tem mais necessidade técnica de existirem. Ainda ocupam lugar de poder por inércia cultural, mas a tendência de obsolescência é evidente.
No entanto, somente conectividade não é suficiente.
Ter a capacidade de trocar informações abundantes e irrestritas é fundamental, mas sem coordenação, torna-se apenas o caos.
2. Frameworks de coordenação digital em escala
Uma vez que estamos todos conectados, precisamos de regras e processos compartilhados para cooperarmos.
E este é o papel das plataformas, protocolos e regras sociais virtuais.
Pense no Wordpress, a plataforma de criação de sites e blogs mais usada na Internet. Ela foi construída e é mantida por uma comunidade open source. Ou seja, seu código é aberto e foi escrito por pessoas espalhadas pelo mundo.
Mas, como funciona?
As comunidades open source compartilham uma série de ferramentas e premissas que todos obedecem.
Por exemplo, como sugerir uma alteração no software? Como mudar um trecho de código? Como testar? Como documentar?
Todas essas regras são muito claras e precisam ser seguidas por todos os membros. E a própria evolução das regras acontece através de um processo que respeita várias premissas da comunidade.
Esse framework dá robustez ao coletivo digital permitindo que um grupo grande de pessoas consiga realizar tarefas realmente complexas e mobilizar recursos poderosos, como lançar um produto a nível mundial, levantar financiamentos coletivos milionários e até mesmo influenciar mudanças nas leis de um país.
Um exemplo simples de framework de colaboração em escala são as hashtags do Twitter.
A rede social conectou milhões de pessoas, criou um algoritmo que lista as expressões mais tuitadas em forma de ranking, os trend topics, e isso permite que os usuários se mobilizem, mesmo sem conhecerem uns aos outros, para atingir algum objetivo, geralmente político.
Ainda estamos na infância da Internet e temos acesso a pouquíssimas plataformas e protocolos sociais digitais nos quais podemos criar estruturas de colaboração em escala. A maioria ainda bem pouco sofisticada para fins políticos.
Mas, elas estão surgindo e ficando cada vez mais poderosas.
Bitcoin tornou-se a principal e mais eficaz até agora, causando um impacto imensurável na estrutura financeira do planeta.
Outras, de cunho político, para governança de recursos públicos, ainda irão se popularizar.
E quando isso acontecer, o ato de votar em um representante político será uma antiga memória dentro de um livro de história.