Quando existe uma mudança de paradigma estrutural tecnológico na sociedade, há também um processo de atualização cultural para se adaptar a esta nova realidade.
Ao surgir a Internet, as primeiras soluções criadas foram simples adaptações do mundo físico ao mundo digital. Por exemplo, levar o conceito de outdoor fixo para os sites.
Este é um fenômeno natural, pois tenta-se inovar no novo paradigma a partir das premissas do modelo antigo, ao invés de pensar através de first principle.
O fato é que no novo paradigma as premissas são totalmente diferentes, o que abre um leque completamente novo de possibilidades.
Por exemplo, no mundo físico o outdoor é um broadcast daquela publicidade para todos que passam pela rua. Mas esta solução de marketing é realmente bem limitada, pois não consegue medir quantas pessoas olharam para o outdoor e tornaram-se clientes, nem consegue adaptar a mensagem para cada pessoa, ou ainda segmentar o anúncio apenas para o público-alvo. E isso por uma clara limitação tecnológica.
Mas, na Internet não existe esta limitação. E o Google percebeu isso muito cedo e criou sua plataforma de anúncios (Google Adwords).
Com ela você consegue criar um anúncio e definir quem é seu público-alvo (e diversos outros critérios de segmentação) e com base nos dados de navegação dos usuários, mostrar ou não aquele anúncio para a pessoa.
“Eu como Pet Shop, quero mostrar meu anúncio de ração apenas para quem está pesquisando pelo tema ‘comida para pets’ ou similares. Ou ainda, mostrar para quem está visitando blogs relacionados à pets."
E, somado a isso, consegue entregar ao anunciante diversas métricas, como número de pessoas que visualizaram e clicaram no anúncio, e tornaram-se clientes.
Embora hoje este modelo esteja amplamente disseminado no marketing digital, no início dos anos 2000 era algo extremamente visionário e não intuitivo.
Os fundadores do Google inovaram seguindo first-principles. Entenderam as premissas daquele novo paradigma e pensaram numa solução aplicada à ela do zero.
Assim como anúncios no passado, ainda hoje diversos setores da sociedade usam a Internet apenas como uma adaptação do mundo real.
No meio político, este é o cenário.
Diante de tecnologias como a Internet, Blockchains, Github, Plataformas de Consenso, Wikis, etc., onde podemos colaborar em escala de forma direta e transparente, sem necessitar de intermediários, não faz mais sentido depender de representantes políticos para governança pública.
Uma das ideias de aplicação de Blockchain mais recorrentes que vejo, mesmo entre pessoas da indústria, é usar a plataforma para eleições. O que é um completo desperdício da tecnologia.
É como se usássemos o computador para digitar mensagens mais rápido, mas ao invés de enviá-las por email, imprimíssemos e enviássemos pelos Correios. Não faz absolutamente nenhum sentido.
As plataformas de computação descentralizadas, como Bitcoin e Ethereum, são capazes de substituir os intermediários e permitir que a sociedade colabore em escala e alcance consenso sobre diversos tipos de governança. Aliás, a construção e gestão coletiva dessas plataformas, que hoje superam o valor de mercado de U$ 1 trilhão, são feitas exatamente assim: consenso coletivo através de frameworks tecnológicos e processos orgânicos.
Claro, embora o paradigma tecnológico já possibilite uma transformação política profunda, este é o tipo de mudança que exige muito tempo para que culturalmente haja adoção na prática. São décadas e décadas de pequenas evoluções no caminho da total transformação.
O importante, agora, é entender que tecnologicamente já temos tudo o que precisamos para criar Instituições nativas da Internet (ao invés das adaptações mancas que existem hoje).
O que falta é atualizarmos nosso software cultural para a Era Digital.