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Um dos fenômenos mais famosos e recorrentes da revolução digital é o Unbundling (desagrupamento) e o Rebundling (reagrupamento). É o processo de fragmentação de instituições ou tecnologias em partes independentes, e o posterior reagrupamento dessas partes em uma nova estrutura inovadora.
Por exemplo, músicas eram agregadas em álbuns e discos. Depois, foram desagrupadas em milhões de arquivos Mp3 pela internet. E então, reagrupados em playlist no spotify.
Notícias eram agregadas em Jornais. Depois foram fragmentados em milhões de blog posts pela Web. Então reagrupadas novamente em feeds de redes sociais.
De quartos em Hotéis, para quartos dispersos em fóruns e classificados online, para então se reagruparem novamente no Airbnb.
Filmes e programas da TV fragmentaram-se em arquivos mp4 em plataformas de Torrent, e depois reagruparam-se nos streaming de vídeo.
Universidades e colégios tiveram suas aulas desagrupadas na forma de cursos online, aplicativos e aulas particulares, e depois reagrupados em MOOCs como Udemy.
Este fenômeno é ainda mais fascinante quando percebemos que as propriedades da entidade principal ou pareciam inseparáveis do todo, ou sequer eram identificadas como tal.
Por exemplo, quando assistíamos ao jornal, o víamos como uma única e inseparável entidade de transmissão de notícias. No entanto, hoje, no ambiente digital, sabemos que há diversos atributos que variam no universo das mídias.
Distribuição: plataformas de social media, email, apps independentes, podcast.
Produção: jornalistas, especialistas, influencers, educadores, acadêmicos, empreendedores.
Formato: texto, áudio, humorado, técnico, visual, ilustrado, infantil, etc.
Propriedade: qual a maneira que a mídia é armazenada - plataformas de social media, self-hosting, cloud, blockchains - e como (ou se) a posse é registrada ao criador.
Fonte: qual a processo de definição de pautas e sua relevância, por exemplo, inovações tecnológicas e descobertas científicas versus notícias políticas e cobertura de eventos violentos.
Autenticidade: baseado em autoridade, criptografia, evidências visuais, adição descentralizada de contexto (twitter community notes), etc.
Modelo de negócio: anúncios, venda de produtos, assinatura direta (Substack), share de receita pela plataforma (youtube), etc.
Ou seja, o desagrupamento geralmente não é apenas do item em si - neste caso, da notícia -, mas sim, de inúmeros atributos daquele ecossistema. Várias constantes que transformam-se em variáveis, tornando-se tecnologias independentes.
E uma vez que essas propriedades são desfragmentadas em partes independentes, inovadores podem experimentar soluções para cada peça do quebra-cabeça, transformando o que era uma única solução em um verdadeiro ecossistema de inovação.
Unbundling da Sociedade
Observando o curso natural da digitização completa da sociedade, percebemos que estamos na metade do caminho. Há diversas indústrias e setores da economia que ainda operam majoritariamente sobre tecnologias analógicas.
No entanto, muitos desses setores são vistos quase como elementos da tabela periódica. Instituições cuja digitização, inovação, e consequente desagregação, nunca é sequer cogitado ou debatido.
Mas os últimos anos tem provado exatamente o contrário. Nem mesmo os setores mais sensíveis estão imunes.
Nós tínhamos o Dinheiro. Uma instituição indivisível, única, atômica. Uma entidade consolidada e aparentemente sem possibilidades de inovação. No entanto, com a digitização da moeda, o que estava bundled, foi unbundled e agora está em processo de rebundling.
Ao transformarmos a moeda de uma tecnologia política para uma tecnologia digital, as criptomoedas, diversas de suas propriedades ocultas foram fragmentadas e tornaram-se eixos independentes.
Por exemplo, ao escolher uma criptomoeda, você irá analisar diversos atributos.
Capacidade de manter-se como reserva de valor; capacidade em ser usada como unidade de troca ou meio de pagamento; velocidade e custo de transação; nível de transparência e privacidade; nível de descentralização, ou seja, capacidade de assegurar neutralidade e imutabilidade dos dados; código fonte aberto ou fechado; compatibilidade entre aplicações; política monetária inflacionária ou deflacionária; e assim por diante.
Dinheiro, uma tecnologia política considerada estagnada e totalmente estabelecida, na realidade mostrou-se, a partir da sua digitização, um sistema complexo com múltiplos parâmetros que interagem entre si e podem produzir diferentes soluções.
Outro exemplo, a sua Identidade.
Ela é composta pelo seu nome e basicamente alguns números, como RG, CPF, Passaporte, Título de eleitor, e Carteira de Trabalho. Mas sua identidade não é apenas seus documentos. É composta também por uma série de informações vinculadas a ela. Sua reputação financeira nos bancos, suas credenciais acadêmicas, seu estado civil, endereço, nacionalidade, gênero, etc.
No entanto, todos esses atributos estão vinculados à mesma estrutura, à mesma identidade legal.
Com a ascensão de cripto e de tecnologias nativas digitais de identificação, esses atributos estão sendo unbundled em diferentes tecnologias, como as carteiras cripto e as credenciais on/offchain.
Por exemplo, você pode ter uma identidade (conta na Blockchain) com seu histórico e score financeiro, outra com suas conquistas profissionais, e outra com provas da sua humanidade (biometria, etc). E cada solução também terá inúmeras propriedades, como nível de privacidade, interoperabilidade entre sistemas, programabilidade, etc.
Então imagine você acessando o site de uma aplicação financeira e se logando. Hoje a única maneira de realizar esse processo é através do processo (extremamente chato) de verificação sua identidade legal, o que consequentemente expõe (indiretamente) todas as suas informações pessoais.
Com uma solução nativa digital usando cripto, você pode conectar-se a uma plataforma e logar-se apenas com sua identidade que armazena seu score financeiro. Afinal, essa é a única informação relevante para aquele serviço. Ele não precisa saber seu nome, seu endereço, suas redes sociais, ou seu currículo acadêmico. Apenas precisa saber que você tem um excelente histórico de adimplência e talvez ativos para usar como garantia. Ou seja, sua identidade na era digital não é (apenas) seu nome legal, é um conjunto de tecnologias com os quais você assina documentos, transaciona ativos, troca mensagens e muito mais.
Identidade, algo que provavelmente víamos como monótono e imutável, é na realidade também uma entidade com múltiplos atributos complexos que podem ser fragmentados e inovados independentemente.
A desfragmentação do Estado-Nação
Embora a economia tenha sido digitizada mais rapidamente, devido sua natureza mais descentralizada e aberta, a política não ficará ilesa.
O Estado-nação, até então aparentemente indivisível, lentamente está sendo fragmentado em partes independentes e altamente inovadoras.
A Cultura (nação) de um país, que era formada baseada exclusivamente na geografia, delimitada e altamente influenciada pelas fronteiras estatais, hoje é formada digitalmente através de comunidades na Internet. Por exemplo, temos comunidades emergentes como Cripto/Web3, tiktokers, memers, desenvolvedores opensource, gamers, etc., que surgiram e existem primordialmente na Internet.
Leis e regulações, que também existiam em função da geografia, hoje estão sendo migradas para a nuvem. Por exemplo, a regra através da qual você transfere bitcoin para outra pessoa não está vinculada a nenhuma jurisdição ou entidade política. São códigos em uma rede de computadores que existem apenas na Internet. Ou ainda, diversos serviços como marketplaces ou corretoras funcionam hoje através de contratos inteligentes imutáveis e de código fonte aberto no Ethereum, cujos usuários interagem sem precisar de nenhum tipo de árbitro legal envolvido.
Segurança, cujo Estado tem um papel fundamental, também está migrando lentamente para o universo digital. Hoje a maior parte dos roubos não são realizados na rua com posse de arma, mas sim através de hacks ou golpes online. Tenho certeza que você conhece mais pessoas que sofreram golpes no whats do que pessoas que tiveram sua casa roubada ou foram assaltadas pela cidade. Por isso o papel da criptografia e sua relevância frente a forças militares e policiais estatais está cada vez maior. Proteger seus bens mais valiosos, desde dinheiro e contas nas redes sociais até fechaduras eletrônicas de casas e carros, depende cada vez mais de tecnologia e menos do Estado.
Por exemplo, Bitcoin e Ethereum são plataformas financeiras que garantem e dão segurança ao equivalente a centenas de bilhões de dólares em propriedade privada digital de centenas de milhões de pessoas pelo mundo. Não há nenhuma força militar ou policial protegendo os quase U$ 1 trilhão em ativos nessas plataformas, apenas criptografia.
Identidade, como mencionado anteriormente, não é mais produto exclusivo do Estado. Contas em blockchains, ENS, NFTs, etc, são tecnologias que fazem parte da intensa fragmentação da versão estatal de identidade.
Sua Rede de Contatos pessoais e profissionais deixou de ser seus vizinhos da sua cidade, e colegas de trabalho, para transformar-se em uma rede digital totalmente desassociada do mundo físico. Se alguém da sua rede muda de cidade ou país, e não comunica a ninguém, você ainda continua conversando e trabalhando normalmente com ela. Nossa distância geográfica, vinculado ao Estado-Nação, reduziu drasticamente em relevância se comparado a nossa distância geodésica, o número de graus de separação entre dois nós em uma rede social, neste caso digital.
Moeda e Sistema Financeiro, ambos também historicamente controlados pela Estado, foram removidos do seu guarda-chuva e fragmentados em tecnologias como o Bitcoin e outros criptoativos e sistemas financeiros.
A distribuição de Energia lentamente está sendo fragmentada para placas solares residenciais, e ganhando eficiência em distribuição através da tokenização da energia com blockchain.
A Saúde está sendo dissolvida em milhares de inovações digitais. Pacientes podem receber consultas médicas remotas, monitorar sua saúde com dispositivos wearables e acessar informações de saúde personalizadas com inteligências artificiais, reduzindo drasticamente a dependência dos sistemas de saúde estatais tradicionais.
Até mesmo a Educação, totalmente monopolizada e controlada pelo Estado, está sendo fragmentada pela internet na forma de aplicativos, cursos online, comunidades e plataformas variadas.
Ou seja, Cultura, Leis, Segurança, Identidade, Grafo Social, Educação, Moeda, Energia, Saúde, tudo está sendo desagregado da Instituição Estado-Nação.
Rebundling
Isso explica bastante o nível de instabilidade e caos que temos presenciado ultimamente.
Uma das instituições mais poderosas e onipresentes do mundo, está vendo cada uma das suas propriedades sendo substituida por novas entidades digitais.
É um processo extremamente caótico e doloroso para muitas instituições adjacentes e também para as pessoas que dependem dessas entidades analógicas.
Mas, como vimos, a digitização não é apenas sobre fragmentação. É também sobre novas estruturas de agrupamento.
E este é o papel dos Network States. Uma nova espinha dorsal, nativa digital, para acomodar as inúmeras entidades que nasceram na era digital e que ainda são pontas redondas tentando se encaixar em buracos quadrados.
Todo o movimento de startup societies e network states buscam criar instituições políticas nativas digitais para agrupar todos os elementos fundamentais para o funcionamento de uma nação.
São novos “sistemas operacionais políticos” compatíveis com as novas “aplicações” que surgiram nas últimas décadas.
Os Estados-Nações estão em decadência. Mas uma nova estrutura está emergindo.
Se nas últimas décadas toda empresa tornou-se uma empresa de software, nos próximos anos veremos todos os países, transformarem-se também em software.
E será sob essas instituições que viveremos.
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