Alvin Toffler cunhou o termo Future Shock, em seu livro homônimo de 1970, que representa um impacto psicológico diante de mudanças estruturais que ocorrem em um curtíssimo espaço de tempo.
Ela argumentou que a sociedade estava caminhando em direção a uma enorme mudança estrutural e que essas transformações tecnológicas e sociais seriam tão aceleradas que deixariam as pessoas em um estado de “devastador estresse e ansiedade”.
CHOQUE.
Soa familiar?
E embora a Inteligência Artificial, combinada com as Blockchains, sejam as tecnologias que protagonizarão os principais choques do futuro - e são os temas centrais deste artigo - é importante assimilarmos que já passamos pelo que chamo de primeiro choque do século 21.
Sociedade digital-first
A curva de evolução tecnológica tem origem muitas décadas atrás, no entanto, apesar de inaugurar inovações disruptivas, suas adoções eram suficientemente graduais a ponto de nosso psicológico conseguir assimilá-las com mais naturalidade.
Prensa de Gutemberg, Eletricidade, Rádio, TV, etc., foram revoluções que impactaram profundamente os pilares da sociedade, no entanto as ondas reverberaram durante décadas e gerações, e seus efeitos foram absorvidos com muito mais tranquilidade.
No entanto, a partir do início do século 21, devido à natureza digital das inovações, as mudanças tornaram-se mais aceleradas, mais frequentes, e de maior impacto.
E todas essas tranformações simultâneas e graduais convergiram para um grande evento. Um fenômeno que iniciou na era da computação, acelerou-se com a Internet e Mobile, até atingir seu marco histórico durante a pandemia global. Pela primeira vez, a humanidade deixara de ser uma espécie majoritariamente física para tornar-se uma espécie predominantemente digital.
CHOQUE.
Foram 30 anos de digitização relativamente gradual, inovação após inovação, até darmos um salto abrupto instantâneo durante o início os lockdowns para contar a Covid19.
Ou a economia global migrava completamente ao digital, ou viveríamos um completo caos.
Empresas, em questão de dias, precisaram adaptar-se ao ambiente digital. Milhões de profissionais, literalmente da noite para o dia, aprenderam novas tecnologias, processos e práticas. Muitas empresas, inclusive, tiveram que combinar essa transição de processos internos com a reestruturação de seu modelo de negócios baseado em presença física para produtos e serviços digitais. Tecnologias de gestão remota precisaram se adaptar à explosão de demanda, e novas funcionalidades serem criadas no intervalo de semanas. Reuniões de trabalho em meio ao contexto familiar foi normalizado.
Um cenário que há poucos anos literalmente era tido como inviável por 99% dos líderes nas corporações, se materializou da noite para o dia.
Uma operação de guerra digital.
Gradually, then suddenly.
CHOQUE.
O primeiro vivenciado pela raça humana devido a aceleração da inovação tecnológica.
Não foi uma simples inovação. Um aplicativo novo. Ou uma mudança de paradigma diluída durante anos. Ou ainda um evento isolado como uma guerra ou crise.
Foi uma mudança social e tecnológica radical no intervalo de dias. Digitização de ambientes de trabalho, workflows, e modelos de negócios, transformação dos hábitos pessoais, realocação geográfica, digitização da educação infantil, e mais uma série de mudanças tecnológicas, sociais, econômicas e culturais imensuravelmente significativas.
A sociedade enfim tornara-se digital-first.
E esse choque teve uma percepção ainda mais aguda porque a sociedade em geral estava em sua maioria indiferente e inerte ao avanço tecnológico digital. Muitas instituições, como escolas e governos, ainda viviam no século 19. Muitas pessoas, apesar de usarem diariamente essas inovações, ainda não haviam assimilado o papel massivo, ubíquo e crescente das tecnologias digitais na sociedade.
Algumas, inclusive, ainda permanecem neste estado inerte de negação.
Se você é uma delas, está na hora de olhar para os lados com mais atenção.
Seus bens (documentos, dinheiro, fotos, vídeos, ativos financeiros, identificação, grafo social, etc.) são, agora, digitais; seus amigos, suas reivindicações políticas, sua segurança, sua educação, seus relacionamentos, estão todos majoritariamente (apenas) online. Suas compras são digitais, sua mídia, cultura, finanças, transporte, arte, seu trabalho e tudo aquilo que considera valioso na vida está em sua esmagadora maioria na forma de bytes.
O mundo físico ainda é valioso e importante, claro. A diferença é que agora a Internet vem primeiro na nossa pirâmide de valor.
Ainda cético? Vamos lá.
Quanto tempo você passa olhando para uma tela, digitando, conversando, trabalhando, em comparação com interações no mundo físico?
Quais eram as empresas mais valiosas 20 anos atrás e quais são agora?
Como você inicia e nutre seus relacionamentos atuais?
Qual foi a última vez que você se perdeu geograficamente? Quando foi a última vez que você se locomoveu sem Navegador GPS?
Quantas vezes nos últimos anos você aprendeu algo online versus presencial?
Qual porcentagem da sua rede de contatos e amigos você nunca encontrou no mundo físico? Ou está distante geograficamente, mesmo em outros países?
Quantas fotos você tem impresso versus somente digital?
Quantos milhões são roubados anualmente (golpes no whats, pix, ransomwares, etc.) em comparação a assaltos presenciais a mão armada?
Qual porcentagem das suas transações financeiras acontecem sobre a Internet, mesmo que presencial com cartão de crédito?
Quantas instituições políticas foram influenciadas por mobilizações digitais versus protestos físicos?
Todas essas foram grandes transformações e que geraram impactos significativos, no entanto diluídos no intervalo de 2 décadas. A sensação de mudança era constante, mas, embora rápida, gerenciável.
Por isso os choques não são resultados contínuos da evolução e adoção tecnológica. Eles são transformações abruptas, praticamente instantâneas e pouco previsíveis que catalizam tendências e mudam fundamentos sociais, tecnológicos e/ou políticos.
Não é o rachar da pirâmide. É o momento da queda da estrutura.
Não é a evolução da lagarta para uma borboleta. É o momento do primeiro voo.
Não é a gravidez. É o parto.
É um evento que concentrou energia por décadas e culminou numa mudança abrupta na realidade social.
CHOQUE.
AGI - Artificial General Intelligence
As inteligências artificiais enfim alcançaram seu ponto de inflexão (anunciado por décadas) e já são capazes de realizar, em poucos segundos, tarefas criativas e analíticas ultra complexas como desenvolver softwares, analisar planilhas e relatórios financeiros, produzir textos, imagens e vídeos ultra sofisticados, e mais uma centena de tarefas que antes apenas especialistas ou largas corporações eram capazes de fazer num longo período de tempo.
E adivinhe, continuará melhorando exponencialmente.
As mudanças irão acontecer 100x mais rápido. E a intensidade do impacto será 100x maior. E gerarão diversos choques no futuro, alguns globais, outros pessoais.
Seu filho(a) ou até mesmo você tendo uma IA como parceiro romântico.
Viver em uma sociedade onde trabalho é opcional e presenciar a extinção da sua profissão.
Ser julgado por júri formado exclusivamente por inteligências artificiais.
Optar em não morrer.
Mudar-se repentinamente para jurisdições com ambientes digitais descentralizados e privados.
CHOQUE.
São mudanças radicais que atingem diretamente nossas crenças, fundamentos morais e pilares que nos dão sentido à vida e formam nosso modelo mental do que significa ser humano, e que precisarão ser absorvidas muitas vezes no intervalo de dias ou semanas.
É o equivalente absorver todas as transformações tecnológicas e culturais que ocorreram entre 1900 a 2000 em poucas semanas. De carros primitivos a foguetes da SpaceX. Do primeiro telefone ao iphone 12. De relacionamentos arranjados e castidade, para o Tinder.
Pouco intuitivo né.
A realidade é que ninguém está preparado para o nível de transformação que veremos daqui pra frente com as inteligências artificiais gerais (AGI). Pela primeira vez iremos compartilhar o planeta Terra com uma espécie mais inteligente que nós.
Isso significa que grande parte de nossos modelos mentais e nossas heurísticas com os quais navegamos pela realidade estão obsoletos. Competição, escassez, linearidade, trabalho, dinheiro, profissão, fronteiras, cultura, etc. são premissas milenares que serão desconstruídas uma a uma nos próximos anos.
E uma vez que todos essas inovações se retroalimentam e convergem entre si, precisaremos ajustar radicalmente o que consideramos possível e impossível.
Blockchain
Enquanto IA irá protagonizar revoluções relacionadas à produtividade, tais como democratizar a produção de atividades criativas e dar acesso irrestrito à educação e à saúde, Blockchain é a tecnologia que proverá a infraestrutura para a construção de novos pilares institucionais e assegurar pilares fundamentais como soberania individual, liberdade e direitos humanos básicos.
Crypto e Web3 atuam em um eixo transversal, e impactarão muitos dos fundamentos mais bem enraizados da sociedade moderna.
De dinheiro político e estatal para dinheiro nativo digital global e descentralizado (Bitcoin).
De identidades e propriedade privada garantidas por leis e documentos analógicos para baseados em criptografia e registros digitais em ambiente neutro (Blockchains).
De computação exclusivamente em infraestruturas privadas (AWS, Google) para computação em infraestruturas abertas, neutras e democráticas (Ethereum).
Isso significa que muito em breve iremos presenciar uma economia cujas moedas predominantes não pertencerão a nenhum Estado-Nação, mas sim uma rede descentralizada e aberta.
Significa que instituições que existem há séculos, como governos e leis manuscritas, incluindo o processo legislativo, serão substituídas por suas versões nativas digitais: autônomas (códigos que se auto executam), transparentes e abertas.
Significa que o conceito de país, nação e fronteiras, serão totalmente reinventados e atualizados para sociedades descentralizadas e nativas da internet. Assim como antigamente seria impensável alguém não se identificar e seguir a religião local, em breve iremos nos identificar com novas culturas e nações e adotá-las como nossa identidade civil oficial.
Significa que, se nos séculos passados a geografia e a religião desempenhavam um papel determinístico na formação de culturas, comunidades, cidades e países, no século 21 as culturas se formarão online, para então se estabelecerem voluntariamente em regiões físicas.
CHOQUE.
Essas transformações políticas e sociais aceleradas por essas novas infraestruturas tecnológicas globais serão graduais, mas irão gerar também alguns choques imprevisíveis de curtíssima duração.
Entre diversas possibilidades, está a queda abrupta do Dólar como moeda de reserva global e ascensão do Yuan/China, resultando numa crise histórica nos Estados Unidos (e possivelmente global) que encerrará o ciclo do país como principal potência mundial. Esse movimento terá consequências imprevisíveis, mas, assim como a pandemia acelerou anos de digitização em poucas semanas, a queda dos EUA e ascensão da china irá impulsionar a adoção de Bitcoin e Crypto a patamares inimagináveis, inclusive por diversos países e corporações (que recusarão a usar Yuan como reserva).
Os países que decidirem seguir o caminho da criptomoeda, como El Salvador, passarão por momentos intensos de adaptação em processos de pagamentos, onboarding e treinamento de cidadões e usuários, mas será um choque positivo no longo prazo.
Futuro
Choques do futuro podem soar catastróficos. Podem nos despertar sentimentos de ansiedade, apreensão e medo.
No entanto, choques, muitas vezes como com desfibriladores, são responsáveis por trazer um organismo prestes a morrer de volta à vida.
E é assim que vejo os choques futuros.
Uma série de desafios, de progressos, transformações e reformas que resolverão problemas milenares da sociedade, como extrema pobreza, analfabetismo, falta de acesso a saúde, e mistérios científicos, e trarão a humanidade de volta à vida.
Mais do que nunca ter uma mente aberta a mudanças e de fato experimentar essas tecnologias é o que melhor irá te preparar para o futuro. Quando você entende o fenômeno, e desenvolve um certo nível de proficiência, sua confiança aumenta e sua ansiedade diminiu.
Blockchains e Inteligências Artificiais levarão a raça humana para um patamar que inimaginável. E será incrível.
CHOQUE.